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O NOSSO LENÇOL NÃO É NOSSO

Bordado sobre lençol
237x171 cm

2020

Exposto enquanto aluno

da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto

nas Emergências da Contextile - Bienal de Arte Têxtil Contemporânea de Guimarães

      Oh amor, hoje acordei do sonho da noite não dormida e ainda o sol não se via, apenas uma fraca claridade que as nuvens de um laranja rosado mal deixavam passar. Fingi que dormi só para evocar o teu braço pesado sobre mim no frio do inverno. Aqui o frio não se faz sentir, ou sou eu, que já não sinto nada e para mim tudo é tolerado. 
        Da minha janela junto à cama vejo o campo longo e amarelo que corro todos os dias em busca de ti, e acredito que um dia, ao voltar a casa, estejas lá, à porta, sentado junto ao vaso de cravos cor de rosa. Junto à estrada aqui de casa, as manchas violeta dos cardos guiam o caminho que tantas vezes te imaginei a percorrer. Gostarias de cá ficar, oh amor, como tu gostarias de acordar e ver que o casario lá ao longe é tão branco como o lençol que nos enrodilhou. 
     Lembro-me de ti sempre que me movo. Mal me lembro de ti, de como és, mas lembro-me de ti porque te amo. Hoje não te vi, nem vi o sol. Oh amor, de ti não tenho o calor, mas tenho o lençol em que nos amamos e onde o jardim brotou. Os cravos do meu norte, os cardos do agora e todas as outras flores que só a minha mãe sabe cuidar. Abrigo-me neste sudário pálido de saudades e que um dia alguém o fez para imacular um enxoval alheio.
      Oh amor, as saudades do teu peito fazem tremer o meu, tremo tanto que já não corro os campos, já não observo a porta, tampouco espreito a estrada. Hoje fiquei na cama como tenho ficado desde que para aqui vim. Nunca senti a terra seca, não me lembro sequer da cor da porta, nem sei se os cardos continuam ali. Fico em casa, na cama sozinha ou no cadeirão velho, enrolado em branco sujo.
       O nosso lençol não é nosso, é de quem o ama.

    Numa mudança de vida, onde tudo o que temos como a casa, a família, os amigos, as relações, ficam para trás, o que nos fica é agarrar as memórias e os objectos que nos lembram essas vivências. Ao longo do ano, uma das minhas maiores preocupações foi a relação com o companheiro que tinha, se viria comigo, se estaria disposto a mudar e deixar tudo. Com este medo, surgiu a ideia de representar num lençol a relação sexual, uma vez que é dos momentos mais livres e marcantes num namoro. Poder entregar e ser entregue. Este lençol é estranho aos dois, é a novidade e o desconhecido como poderia ter sido o Alentejo para os dois, e veio de uma loja de segunda mão, portanto poderá ter feito parte de um enxoval alheio.

     Este lençol é o que guardo da relação, como uma memória que se torna imaculada, substituindo o corpo que não terei ao meu lado, reconfortando-me.

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