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A MINHA TERRA NÃO É MINHA

Juta, Lã de Arraiolos e Banquinho de Madeira
Tapeçaria: 110x160cm | Banquinho: 17x26x15,5cm

2019-

​    A minha terra não é minha. A minha terra, de onde eu venho, tem casas de todas as cores, altas e estreitas. De onde eu venho o rio frio abraça as casas. As ruas são quentes de gente e a saudade habita as casas velhas e húmidas. A torre mais alta vigia a cidade consumida. Aqui já não me resta nada. Os meses secaram a fonte da energia que me entranha. De onde eu venho, eu já não sei.
    A máquina que me movimenta abala o sossego de onde vou. Anda a todo o vapor para que encontre o meu canto no mais amarelo dos campos, na casa mais pequena e humilde. Não anseio muito, anseio o que quero e o que sou. Deixo aqui, na minha terra, os que mais me valem. Mas é assim. A necessidade de fugir da azáfama é real. Sonho de artista, reduzir as sociedades a pontos distantes. Encontrar nos pontos cruzados o ardor que me corre por todo o pulso até à artéria saliente do pescoço erguido e orgulhoso.
   Onde vou, para onde vou, o sol acaba lá no fundo, na planície sem fim. O dourado da terra é o calor das gentes da vila singela. O azul do céu esbate-se na casa caiada, confunde-se com a moldura da habitação simples. O verde da sombra da azinheira arrefece a saudade de onde sou. Para onde vou os dias são longos e os sonhos acabam cedo. Na minha casa ouvirei a voz mais arrastada e lusófona, que apenas o fado tem. Na minha cadeira terá a manta tão pequena como o meu corpo de miúdo. A meus pés o padrão do tapete da terra. Sentirei na pele a brisa do tempo parado que corre pelas janelas. Lá fora o poejo e os coentros habitam o jardim. Morarei assim. 
  Oh, para onde vou, de onde vim. Não suportarei a diferença dos locais até que o ritmo da tradição me sossegue. Apenas o calor quente do sol na manhã mais fria me abraçará. Só o trigo seco a raspar na palma da mão tomará conta de mim. Muito me falta, mas estarei onde quero estar.
​   A minha terra não é minha, é de quem lá mora.

   Mudar o meu local, encontrar raízes noutro lugar, apropriar-me. Há no Alentejo um abrandamento do ritmo de viver, há as longas esperas, a calma. A demora da transição leva-me à criação de uma tapeçaria carregada de símbolos, que representam as minhas raízes, criando assim uma antítese entre a minha origem e a minha terra (para a qual pretendo mudar). Através de uma tradição que não é da minha terra, relembro e homenageio a minha família, as minhas tradições.

   Sentado num típico banco de bordar da minha mãe, neste tapete, aos poucos, vou bordando parte da minha história, enquanto espero para que o meu futuro seja o que sempre quis. Bordo enquanto espero, como a mulher da terra pequena espera por quem ama.

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